A pandemia da COVID-19 aumentou os riscos ocupacionais e de saúde para as trabalhadoras domésticas no Brasil

NOVEDADES-ALAP #2
A pandemia da COVID-19 aumentou os riscos ocupacionais e de saúde para as trabalhadoras domésticas no Brasil

Luana Junqueira Dias Myrrha, Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Silvana Nunes de Queiroz, Universidade Regional do Cariri

Jordana Cristina de Jesus, Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Novembro 2020

A pandemia do novo coronavírus tem gerado desafios ao redor do globo. A necessidade de distanciamento social, como mecanismo para evitar a proliferação do vírus, tem impactos na economia e na manutenção da renda e ocupações de parte significativa dos trabalhadores. O mundo do trabalho passou a adaptar, quando possível, suas atividades na modalidade home office. Entretanto, essa não é uma possibilidade para muitos, principalmente para trabalhadores pertencentes às classes sociais menos favorecidas, que exercem ocupações que não podem ser feitas de suas próprias casas, pela internet. Uma dessas ocupações é a dos trabalhadores domésticos, considerados pela Organização Internacional do Trabalho entre os mais expostos ao risco de contaminação pela Covid-19, isso porque trabalham em contato direto com os empregadores e com os seus familiares e, em sua maioria, dependem de transporte coletivo para ir e vir do trabalho.

O emprego doméstico é principalmente informal

Historicamente, o emprego doméstico no Brasil registra elevado grau de informalidade, como consequência dos resquícios da escravidão que a ocupação carrega, o que explica, em parte, o desprestígio desse trabalho na esfera civil e jurídica. Apesar das recentes alterações na legislação da categoria a formalização dos trabalhadores domésticos permanece baixa ao longo dos anos, em torno de 31% (Gráfico 1).

Os afazeres domésticos ainda são tidos como responsabilidade da mulher, no Brasil, independentemente da sua situação social e de sua posição na família.  Consequentemente, o emprego doméstico é uma ocupação tipicamente feminina e absorve importante parcela das mulheres ocupadas. No quarto trimestre do ano de 2019, as mulheres representavam 92,4% de um universo de 6,3 milhões de trabalhadores domésticos, e o peso desta ocupação no conjunto da força de trabalho feminina representava cerca de 14%, correspondendo ao segundo grupo de atividade mais frequente entre as mulheres que estavam no mercado de trabalho brasileiro.

Portanto, mais de 4,5 milhões de mulheres no Brasil não têm garantias trabalhistas e, por isso, estão sujeitas a serem dispensadas durante o período do distanciamento social, sem indenização ou acesso ao seguro-desemprego. Dependem de negociações informais com o(s) empregador(es) para manter parcial ou integralmente os seus vencimentos, em caso de afastamento do trabalho. No caso do não afastamento, o trabalhador(a) terá que decidir se permanece trabalhando, o que o coloca em maior risco de contágio pela Covid-19, bem como os seus familiares. Uma decisão injusta, principalmente nesse momento em que não há oferta de empregos em grande parte dos setores da economia.

Uma das características do isolamento social é o aumento considerável do trabalho doméstico, devido à nova rotina (maior permanência em casa, mais refeições, cuidado das crianças que não estão frequentando as escolas, desafios educacionais para os filhos com atividades remotas, etc). A decisão de manter o trabalhador doméstico entre os patrões pode se dar em função da necessidade desse serviço e do rendimento do domicílio, apesar dos riscos.

Afastamento, demissão ou normalidade. Comportamentos diversos dos empregadores

Diante desse cenário, pesquisadores brasileiros, a maioria demógrafos, realizaram uma pesquisa online sobre “A contratação do emprego doméstico durante a pandemia da Covid-19” no Brasil. Os objetivos da pesquisa são: compreender como as contratações dos trabalhadores domésticos se deram durante a pandemia da Covid-19, de forma comparada ao período que antecede o distanciamento social; identificar o uso de equipamentos de proteção individual pelos empregados que continuam trabalhando; captar o acesso dos trabalhadores que tiveram redução de salário, o contrato suspenso ou rescindido, auxílios emergenciais propostos pelo governo federal; e identificar como as tarefas domésticas que eram assumidas pelo trabalhador dispensado ou afastado estão sendo divididas entre os membros do domicílio.

Ao longo do período do distanciamento social, vários contratantes praticaram mais de uma ação em relação ao empregado(a). A ação mais frequente foi a manutenção da relação de trabalho e remuneração, com ou sem suspensão do contrato, tendo a trabalhadora permanecido afastado, durante o distanciamento social (49,71%). A segunda ação mais frequente foi a manutenção da relação de trabalho com a mesma remuneração e a trabalhadora continuou a trabalhar normalmente ou parcialmente (26,24%). E a terceira resposta mais comum foi a demissão do trabalhadora ou não contratação dos serviços (12,62%).

Atividades de cuidado foram as mais mantidas

As ações dos patrões se diferenciam de acordo com o tipo de trabalho doméstico feito pela trabalhadora (Gráfico 2). Aquelas que desempenham atividades de cuidado dos membros do domicílio (cuidados de bebês, crianças e idosos) foram as mais mantidas trabalhando durante o isolamento social. Enquanto 55% das trabalhadoras de cuidados foram mantidas em suas atividades laborais, apenas 34% das trabalhadoras de atividades domésticas estavam na mesma situação. Esse resultado reforça a centralidade das atividades de cuidados no dia a dia das famílias, dado que essas demandas não podem simplesmente ser adaptadas ou adiadas. Trata-se de cuidados feitos diariamente e de modo constante. Isso também se confirma com a baixa manutenção de diaristas (20%), que raramente desempenham atividades de cuidados. Além disso, as diaristas foram as que mais vivenciaram o desemprego (18%), porque os seus serviços são solicitados com menor frequência, geralmente menos de 3 vezes por semana.

Os resultados da pesquisa evidenciam que as vulnerabilidades das trabalhadoras foram agravadas com a pandemia, pois aumentou o risco de contrair a Covid-19 para aquelas que continuaram trabalhando, e causou o desemprego e redução de renda para um quarto das contratadas pelos respondentes da pesquisa. Se por um lado, a pandemia evidencia a importância do trabalhador doméstico para parte dos contratantes, o que pode gerar a valorização monetária deste trabalho, por outro, alguns contratantes estão aprendendo a incorporar os serviços domésticos em suas rotinas, o que pode tornar o trabalhador doméstico menos necessário e, com isso, aumentar ainda mais o desemprego no país.